Favaios: uma aldeia vinhateira
A Região
2021-07-15
Quase que podemos dizer que Favaios é uma vila perdida no meio de um imenso Douro. Perdida porque passou incólume aos desígnios da modernidade… Perdida porque esta sua lealdade às origens, ao natural, ao vinho se misturam harmoniosamente com o encanto do Douro. Favaios merece uma visita. Uma longa e demorada visita para conhecer a fundo a sua história, as suas tradições, as suas gentes.
Falar de Favaios implica falarmos do prestigiado vinho Moscatel. Esta localidade cresceu à medida que este vinho ia evoluindo. Este licoroso vinho tão conhecido da Região do Douro é apreciado mundialmente pela sua doçura e aroma.
Mas deixemos o vinho por agora e comecemos pelo início… Favaios ergue-se no meio do coração do Douro. Esta freguesia está localizada na Serra do Vilarelho, no concelho de Alijó. Faz parte do distrito de Vila Real, na província de Trás-os-Montes e Alto Douro. Dista 150 km do Porto e cerca de 120 km de Bragança. Generalizando um pouco… é o puro rural e tão genuíno interior de Portugal.
Esta vila de paisagens encantadoras, marcas arqueológicas estupendas, casas brasonadas e recheada de monumentos religiosos, remonta, na verdade, à Idade do Ferro. Segundo dados históricos, o seu nome deriva de “Flávias”, nome atribuído por corrupção de Flavius, o seu fundador. Desde então, Favaios evoluiu e desenvolveu-se, continuando fiel às raízes que a seguram. Atualmente, esta vila conta com cerca de 1500 habitantes que vivem, principalmente, da vinicultura.
E de facto, o Vinho Moscatel do Douro é um dos grandes tesouros portugueses. Implantada num dos mais belos planaltos do Douro, esta zona consegue reunir de uma forma sublimar um clima irrepreensível e a beleza duriense incomparável. Tudo isto contribuirá, certamente, para o nascimento de castas tão perfeitas que dão origem a um primoroso néctar.
Vinho Moscatel: mais que uma riqueza… uma vida!
Favaios e Moscatel ligam-se primorosamente bem. Para quem não conhece (e não sabe o que está a perder!), este néctar doce e muito aveludado é um dos vinhos mais apreciados a nível mundial.
Em Portugal existem duas renomadas regiões na produção do Vinho Moscatel. Uma é a Península de Setúbal, onde nasce o localmente conhecido Moscatel de Setúbal, cujo nome internacional é Moscatel de Alexandria. Mais a norte, no Douro, nasce o Moscatel Galego Branco.
E é este mesmo vinho que, desde o século XVIII, tem tido um papel preponderante na economia local, na paisagem, na arquitetura e, contrariando a trágica tendência do interior português, no aumento do número de habitantes.
O delicioso Moscatel de Favaios distingue-se por ser um vinho produzido a partir de uma única casta, o “Moscatel Galego”, num território bem delimitado entre Favaios, o lugar da Granja e algumas parcelas em Alijó. Todas estas áreas situam-se acima dos 600 metros de altitude. Aqui, consegue combinar-se um terreno bastante fértil e pouco pedregoso, que se estende por uma área plana ou com declives muito suaves e um clima fresco, favorecido pelos nevoeiros e orvalhadas habituais.
Mas nem sempre se considerou esta localização como “a ideal”. Por altura da década de 30, a Casa do Douro decretou que a adição de aguardente vínica utilizada na produção do Moscatel (e dos Vinhos do Porto) só podia acontecer para vinhas localizadas a altitude inferior a 500 metros. Ora, as vinhas deste planalto situam-se a uma altitude mais elevada. Os produtores deixaram, então, de poder criar este seu “ouro” e a tradição secular deste Moscatel estava designada a desaparecer.
Mas o povo de Favaios não baixou os braços. As suas gentes lutaram para que lhes fosse devolvido aquilo que era seu por direito: a produção exímia deste famoso Moscatel. Assim, foi criada a Adega Cooperativa de Favaios, fundada em 1952 com cerca de uma centena de sócios. A maioria era constituída por pequenos produtores e por cerca de meia dúzia de grandes produtores.
Mas esta Adega foi crescendo e ficando cada vez mais forte. Hoje conta com pouco mais de meio milhar de associados, que gerem uma mancha de vinha de 1100 hectares. Todos unidos com o mesmo propósito: fazer o deleitoso Moscatel do Douro ultrapassar todas as fronteiras e chegar aos quatro cantos do mundo.
Provando o Vinho Moscatel…
Vinhos Moscatel há muitos por esse mundo fora. Mas os dois estilos produzidos em Portugal são dos mais apreciados no mundo. E o Moscatel encontrado no Douro é considerado o estilo mais elegante e mais aromatizado da família.
A videira deste Moscatel, um néctar vencedor dos mais rigorosos prémios internacionais, pode ser encontrada em toda a Região Demarcada do Douro, mas mais marcadamente no extremo norte do coração central do Douro, no chamado Cima Corgo, onde Favaios se situa.
Este Moscatel Galego Branco é proveniente, assim, de uma casta particularmente perfumada, com aromas florais, cítricos e de uvas. Esta casta consegue atingir níveis tão elevados de açúcar quando amadurecida que se torna ideal para a produção de vinhos fortificados.
Assim, este néctar dos Deuses é um vinho particularmente doce, de sabor glicerinado a mel e compotas, apresentando suaves notas de laranja ou tangerina, damasco e manteiga. O seu aspeto é límpido e a sua tonalidade de um ouro brilhante sedutor. Para além disso, se envelhecer em madeira durante longos anos, este vinho vai adquirir intensos traços de frutos secos.
E por falar no envelhecimento deste extraordinário vinho… O tempo mínimo que este Moscatel deve descansar em madeira é de 18 meses. Mas a grande maioria fica um pouco mais. Alguns chegam a amadurecer por 10 ou 20 anos, sendo ocasionalmente engarrafados como “Colheita”, com a respetiva safra indicada na garrafa.
Apenas a título de curiosidade, a massificação deste vinho aconteceu quando se lançou o famoso Favaíto. Distribuído em doses individuais de 6cl, o Favaíto destronou vinhos italianos com mistura de ervas (como o conhecido Martini), e passou a fazer parte das preferências dos portugueses. Deste modo, consegue-se agradar a um público mais jovem. O objetivo é enraizar o gosto pelo bom Moscatel nas gerações novas, para que este hábito se repita (moderadamente) ao longo das suas vidas, passando este ritual a fazer parte da tradição familiar.
E, a juntar a estas delícias, a gastronomia típica da zona é uma dádiva de Deus. Se estiver por estes lados não deixe de experimentar a boa feijoada à transmontana, os milhos de vinhos d’alhos, as feijocas ensopadas, o bacalhau assado na brasa, as pataniscas de bacalhau, a bola de carte, o leite-creme, a aletria ou o arroz doce.
Tudo isto, claro, acompanhado por um bom vinho da Região!